Publicado desde 1969
Fundado por José Carlos Tallarico

Paisagens do invisível

Por que ter razão? Por que tantos pensamentos desconexos? As horas passavam, já era tarde. Parecia que tudo se fundia numa única conexão. As dúvidas pairavam como nuvens, e os pensamentos viviam em pleno conflito. As noites eram longas, como as histórias contadas ao longo dos dias — histórias que lembram as narrativas de García Márquez, em que realidade e fantasia se misturam sob a luz do lampião.

Eram dias que corriam entre lágrimas e olhares esquecidos. Lágrimas que tanto podiam ser de alegria quanto de tristeza. E os dias, ao se passarem, traziam, deixavam e levavam tudo o que se podia imaginar — preenchendo-se de aventuras e desventuras nesse voo rasante que molda a nossa condição humana, como em Dostoiévski, onde o humano é sempre tensão entre luz e sombra.

Entre sentimentos que escurecem sob a luz apagada, há em si um sabor amargo, a acidez na língua. Palavras procuram significados no dicionário da existência, pousam nas páginas do livro das incógnitas. A boca aberta engole estrelas e sacia a fome do coração menino — como se fosse Drummond, buscando no “estar no mundo” o sentido do indizível. As cores do nada colorem a ausência. O silêncio se esconde nas lágrimas, nos olhares que ainda insistem em ver amanheceres em outras tardes.

Imagem

No reflexo da mente, uma passagem, uma paisagem, estreitando contrariedades que alimentam o caos e nutrem o cosmos — como em Heráclito, em que tudo flui e o contrário habita no próprio ser. Ao longe — próximo de algum lugar — alongam-se paisagens e estreitam-se passagens. Nas margens dos caminhos que levam ao desconhecido, entre curvas e campos baldios, nascem incógnitas para florescer estações antes da primavera.

As nuvens flutuavam sobre os sonhos, nos instantes que corriam sob o silêncio. Eram noites que não queriam deixar o sol, mesmo sabendo que a lua os esperava com seus brilhos de estrela. Mas ainda restavam resquícios de dores passadas, escondidas em vazios que compõem a existência, como nas confissões de Santo Agostinho, onde a memória guarda tanto luz quanto ferida.

Contos dos dias, crônicas do amanhã, a realidade grita aos ouvidos do tempo. Como em um romance abaixo da linha do equador. Como em um faroeste urbano — cada um por si, e o último que sair apague a luz. Neste mundo em que o absurdo se tornou normal, lembrando Camus, novos ventos ainda querem soprar. Entre o esperado e o inesperado, há sempre algo além daquilo exposto na vitrine do tempo.

Talvez sejam apenas os próximos instantes de um tempo qualquer disfarçado em sonhos, só para viver de novo os próximos momentos. Tudo em si se refaz para ser outro — em outras noites, em outras estrelas, para brilhar outra vez.

Como é bom sentir o fluir de tudo — o fluxo que me faz ser e me devolve à fluidez humana. São versos carregados de sentimentos, e sentimentos carregando em si todo o peso e toda a leveza do ser. A essência exala o hálito de Deus como um perfume que suaviza a vida, como nos salmos antigos. O poeta, a poesia, os versos e as veredas dos ávidos caminhantes — companheiros de viagem de Fernando Pessoa, cada um com seu heterônimo interior.

E a felicidade, em que tempo está? Será que um instante de tristeza dura o mesmo tempo que um instante de alegria? A felicidade é absoluta ou relativa? E qual o critério para distinguir o absoluto do relativo? Talvez essas questões, essas interrogações, pareçam inconvenientes. Mas será que as pessoas ainda se preocupam com isso? Kierkegaard diria que a angústia é a vertigem da liberdade — talvez seja isso que sentimos ao perguntar.

O sonho e a realidade, a vida e tudo o que nela existe. A vivência e a sobrevivência. Tudo que nos envolve e nos desenvolve como seres humanos. Instantes tecendo a beleza da vida, contemplando o que há de mais singelo. A coragem que enfrenta o escuro dos dias. A fé que impulsiona. O compromisso com o todo, como protagonistas de nossos sonhos — como em Paulo Freire, que nos lembra de sermos sujeitos e não objetos da história.

Meias palavras em páginas inteiras de um livro escondido nas pálpebras dos olhares que descansam ao ver o tempo passar. Brados e louvores. Bendita seja a poética que enfeita os dias, semeia ternura e germina esperança nos jardins do nosso existir.

Luiz Carlos de Proença –  Autor dos livros: O sol nas margens da noite e A pele do vento

Facebook
Twitter
WhatsApp

PUBLICIDADE