O tempo, as memórias e as lembranças caminham de mãos dadas no jardim da saudade. O instante atravessa as retinas daqueles olhares que me veem entre as distâncias que o olhar ainda alcança.
Dentro de pequenos fragmentos, há um instante — um momento querendo ser presente, querendo ser presença. Memórias e lembranças habitam um tempo que ainda vive, avivando corações a cada flor que desabrocha no jardim da saudade.
Do outro lado da montanha, uma vista equidistante se abre num horizonte que traça o meu caminhar. Dentro de cada sentimento, às vezes brilha um sol, aquecendo quimeras e ausências. Mas, em outras vezes, o sol se recolhe em sono profundo, escondido entre as nuvens.
Sono e sonho se entrelaçam em noites escuras de lua e estrelas — uma poesia de saudade. Como dizia Cecília Meireles, “a saudade é o revés de um parto“.
A montanha caminha — e encurta a distância entre o eu e o ser, o agora e o depois, o ontem e o amanhã. Entre o que é, o que era, o que deveria ser e o que será, há espaços que escorrem silenciosos como água entre os dedos. Heráclito sussurra: ninguém entra duas vezes no mesmo rio, pois nem o rio é o mesmo, nem quem entra nele.
Ainda há muito a se dizer sobre aquilo que conhecemos. Mesmo que o tempo seja um templo de mistério, como escreveu Santo Agostinho: “Se ninguém me pergunta o que é o tempo, eu sei; se quero explicar, já não sei.“
O que separa o ontem do hoje?
O amanhã é um livro de páginas em branco — e cada gesto nosso escreve, mesmo sem querer, seus primeiros versos.
Depois do outro lado da montanha, o tempo bebe sua essência em um rio de águas cristalinas. Nas margens dos olhares, assim como nas margens do horizonte, florescem as flores de um jardim distante. Raízes profundas e sonhos plantados no chão da saudade.
A mente acelerada se perde nos labirintos humanos, entre pensamentos e sentimentos. Por que somos o que somos? Nossa condição humana — e nossa contradição — envolvem-nos num emaranhado de tudo o que não compreendemos. Como diria Fernando Pessoa: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.“
Caminho entre margens, observando o tempo no tempo do voar das abelhas e das borboletas — seres pequenos, quase invisíveis entre o silêncio e a balbúrdia de uma tarde prestes a partir.
Eram versos em horizontes que se desmanchavam na insistência dos olhares que vinham e iam, perdendo-se em si mesmos.
Eram gigantes. Eram pássaros que voavam em outras dimensões. Eram poesias, poemas, versos em folhas caídas das árvores mortas. Depois, tornaram-se frutos que nutriam o espírito e embeveciam a alma.
E em meio a tudo, ainda cabia um pouco de nada — dissolvido no todo — como se o nada fosse também uma forma de plenitude.
À noite, a lua, as estrelas e o escuro escondem-se entre a claridade da própria lua e o brilho das estrelas.
Ontem era sol; hoje, um rio que mergulha em sua própria profundidade. Depois daquele verso, o horizonte segue seu infinito — escrevendo o poema do próximo amanhecer.
Agora, sentado às margens do acaso, contemplo a face sublime do outro lado da montanha.
Ainda há algo entre aqueles momentos que se fizeram lembranças — e repousam como névoas suaves nas manhãs de um tempo que ainda encanta poetas e sonhadores.
Na fluência do tempo, talvez sobrem resquícios, rastros, vestígios e lágrimas — em olhares que ainda buscam o sol por entre as nuvens.
O outro lado da montanha talvez seja o mesmo lado em que a vida segue, caminhando lentamente, refazendo-se de si mesma.
É uma poesia declamando seus versos — e, ao mesmo tempo, o mistério insondável que nos reveste de humanidade. Como se diz em 1 Coríntios 13:12: “Agora vemos como por espelho, em enigma…” — mas seguimos. Porque viver é, acima de tudo, caminhar mesmo sem ver o final do caminho.
Luiz Carlos de Proença – Autor do livro: O sol nas margens da noite e A pele do vento