Publicado desde 1969
Fundado por José Carlos Tallarico

Fragmentos do imponderável

Nada mais faz sentido, dizem alguns. Outros afirmam que o sentido está no próprio existir. Sartre diria que estamos condenados à liberdade, às escolhas que nos definem, mas existir não é suficiente quando a existência murmura segredos que não quero ouvir. Tudo flui, tudo se desfaz, e no intervalo entre o que pode e o que poderia ser, ainda resta a possibilidade do nada. Camus talvez chamasse isso de absurdo. O vazio preenche a si mesmo, num jogo entre ser e não ser, e Hamlet sussurra sua eterna dúvida ao vento.

O tempo corre sem tréguas, e o mesmo ímpeto que faz tudo acontecer também o dissolve. Heráclito já dizia que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, pois nem a água nem aquele que nela mergulha são os mesmos. Os rastros ficam – lembranças dispersas, sinais de que algo passou por aqui. A razão perde-se em labirintos sem saída, enquanto a fé e a esperança sonham com a eternidade, com um paraíso talvez inalcançável. Agostinho buscaria em Deus o refúgio, enquanto Nietzsche declararia sua morte.

Nos campos de trigo repousa a paz, mas ela se esconde das mãos que esmolam na esquina. Bertolt Brecht lembraria que, em tempos sombrios, até cantar sobre o belo é um ato de coragem. E assim segue a vida, oscilando entre vales e montanhas, entre a promessa de um horizonte e a dureza do caminhar.

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O sentido das coisas está nas coisas sem sentido. Manoel de Barros diria que “tudo que não invento é falso”. Está no riso que escapa sem motivo, na lágrima que cai sem razão. Está na mesa posta – coma, beba, a casa é sua. Sob a sombra de uma frondosa árvore, dialogam com a paz a justiça, a solidão e a felicidade, todas em busca de si mesmas. O futuro? É incerto. Mas, paradoxalmente, tem a certeza de que chegará.

O mundo está à sua porta. Entre sem bater. Vamos saudar o sol, a noite e o sereno da madrugada. O tempo nos convida a sentar, contar histórias e rir da própria condição. Clarice Lispector talvez dissesse que viver ultrapassa qualquer entendimento. A vida carece de sentido, ao amanhecer, ao anoitecer e no instante sublime de perceber-se vivo.

Tudo parece distante, mas está próximo. A brisa afaga as faces, e o perfume das flores invade o quintal. O momento se aproxima e silencia. As cores, os cantos, as canções se dissolvem no instante. Agora. Depois. Depois do depois. Mas os olhos insistem em não ver. Ainda assim, as mãos tentam se entrelaçar, unindo o tudo e o nada, o que foi e o que será. No fim, pouco importa, exceto o amanhecer e um pouco de paz sobre a mesa.

Os sentidos se perdem em veredas estranhas. Guimarães Rosa ensinou que viver é muito perigoso, e nós seguimos, errantes, como Riobaldo diante do inominável. Um vento varre a consciência, espalhando restos de cristais e fragmentos do nada pelo vasto infinito que fez morada em mim. Sonhos e risos flutuam na penumbra do entardecer, enquanto o frio da manhã repousa sobre rostos cansados de um tempo entediado. Passos errantes seguem rumo incerto, embalados pela esperança de ver a lua aos pés. Do outro lado, outro mundo, outras ilusões se desmancham em rituais repetidos. Sentados à beira do caminho, esperam – sem saber o que, sem saber quando.

O tempo consola o próprio tempo. As águas seguem, formando novos rios, desertificando corações e mentes, mas semeando flores no campo da esperança. Depois das lágrimas, o arco-íris colore o horizonte com suas magias. E ouço a melodia do tempo nas canções da vida – sem versos, sem palavras, apenas silêncio. Entre um momento e outro, cabe um instante. E o imponderável fala ao coração os segredos do próprio silêncio.

O caminhar é árduo, e a verdade parece inalcançável, como a distância entre o sol e a terra. Bauman diria que vivemos em tempos líquidos, onde nada permanece sólido por muito tempo. Os vencedores se glorificam, enquanto os derrotados são jogados aos leões.

Criam-se monstros e fantasmas para assombrar os dias e povoar as noites. O mundo gira sobre conflitos, aflições e tormentos. A guerra é travada em nome da paz. A fome dorme ao lado. Olhares vazios. A miséria do homem sobre o próprio homem.

Uns falam o que pensam. Outros nem pensam. Apenas consomem o que lhes empurram goela abaixo. Assim, fica difícil florir campos e jardins para a próxima estação. O homem não é o animal. O animal é o homem. Todos querem um lugar ao sol, mas brigam pela sombra.

O tempo se desenha entre um instante e outro. O caminho para o destino escolhido está além do chão que pisamos. Alheio ao ruído do mundo, ele faz sua escolha e aceita as consequências. Então, deixou seu mundo e partiu. Sem saber para onde, sem saber por quê. Pensativo, envolto no silêncio, refletia sobre a dureza da vida e a longa jornada até o monte mais alto que sua imaginação podia alcançar.

Antes, um anjo o guiava pelas entrelinhas da fantasia. Mas quando a fantasia virou realidade, o anjo desapareceu. Ficou apenas o silêncio, o mesmo que ressoa no amanhecer de qualquer dia, em qualquer estação. As portas entreabertas deixam entrar réstias de um sol solitário que insiste em sonhar com estrelas distantes. O infinito se esconde entre os sonhos, enquanto o mundo gira inquieto, interligando o tudo e o nada. Até que as pedras começam a rolar.

Luiz Carlos de Proença – Autor do livro: O sol nas margens da noite

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