Publicado desde 1969
Fundado por José Carlos Tallarico

Entre o caos e o cosmos

“Liberdade é pouco. O que eu quero ainda não tem nome“ — Clarice Lispector

Pensa-se, com boa vontade, que os seres humanos são inclinados ao bem. Mas isso seria ingenuidade demais — acreditar que as coisas simplesmente acontecem, sem causa, sem intenção, sem sombra. Tudo se movimenta, mesmo na imobilidade. Tudo se transforma. Cria, recria, repete. Há uma lógica oculta entre o caos e o cosmos, entre o sonho e a realidade, entre o imaginado e o vivido.

Três. Dois. Um. Inicia-se a contagem regressiva. Um salto rumo ao conhecimento desconhecido, ao centro do décimo sétimo sol. Um mundo enterrado no coração do infinito, onde a fantasia se impõe ao real sob o silêncio dos inocentes e os gritos dos ignorantes. Os nefastos roubam o azul do céu, o brilho do sol, e semeiam sombras no lugar da luz. E o cosmo se contorce.

“O absurdo nasce do confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo” — Albert Camus. Amanhã, talvez. Quem sabe. Será que a vida melhora?

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Recolho meus pensamentos — sempre inquietos, revoltos, dançando em espirais dentro de mim. Viajo pelas páginas de um livro, visito terras que jamais pisarei. Levo comigo essa bagagem: pensamentos agitados, sentimentos fundos, e a poética do existir, impressa na sensibilidade dos dias. A realidade, por sua vez, grita. Dói. Dói nas esquinas, nas curvas, nos rostos não vistos.

“Tenho em mim todos os sonhos do mundo“, escreveu Fernando Pessoa.

Amanhã, talvez. Mas por que não agora? O equilíbrio mede nossa incoerência. Revela os absurdos com a frieza de quem já cansou de alertar. Somos inertes — desde que a dor não nos toque diretamente. “O inferno são os outros” disse Jean-Paul Sartre.

E a paciência, por mais nobre que seja, tem seus limites humanos. Ergue-se a bandeira branca. Sinaliza a paz. Mas cai por terra, sem entender por quê. Sabemos quase nada. Alimentamos o amor com palavras e nutrimos o ódio com ações. À beira do colapso, bebemos a água ácida, e deixamos a alma faminta. A terra seca. A lua, sob o sol escaldante, suga a alfazema, corrói a essência, semeia ervas daninhas em quintais outrora floridos.

“Onde houver ódio, que eu leve o amor“, assim rezamos a Oração de São Francisco.

Não desejamos ao outro o que não queremos para nós — mas repetimos os mesmos gestos de outrora. A primeira impressão permanece, como tatuagem. “A primeira vez é sempre a última chance”, cantou Renato Russo. Preferimos enfatizar os erros. As virtudes, esquecemos. Os vícios brilham mais — e são mais vendáveis. Criamos círculos viciosos, quando poderíamos, talvez, sem tanto esforço, plantar círculos virtuosos.

Dizemos: temos liberdade. Mas ela é vigiada, medida, rotulada. Liberdade, afinal, não é poder tudo. E quando tudo falha, a culpa… é sempre do outro.

Você brinca de lego. Monta castelos, voa na imaginação. E, ao chegar à beira do mar, constrói e destrói seu mundo de areia. Desenha o que carrega na alma. Planta flores. Colhe esperanças. Mas as lágrimas ainda caem. A fome ainda habita. E a solidão, essa velha conhecida, ainda se senta à mesa.

“Há fome em cada esquina, mas há também um girassol em cada olhar que espera.“ — Mia Couto.

A miséria dói — no corpo e no espírito. A fome é de pão. E de justiça. Nas ruas, o silêncio é coletivo. E a sujeira, institucional. A arrogância nos cega. A ignorância nos governa.

Caminhamos por veredas tortas. Se não chegamos, seguimos sempre entre vales e montanhas. Entre muros e abismos.

Distante, um horizonte se estende — solitário — entre olhares perdidos e campos de girassóis. O amor pede passagem. Quer uma chance. Mas escuta, do próprio ódio, que ele o torna mais forte. Um tempo por vir nos desafia: verdade e mentira, virtude e vício, tudo embaralhado.

E a liberdade? A liberdade tropeça em seus próprios limites. Cai por terra — como tudo o que se pretende absoluto.

Entre a cruz e a espada, o herói se esconde em si mesmo. Luta e batalhas que ninguém vê. Um instante se torna momento, e logo se desfaz — como tudo. A consciência desacelera. Uma flor murcha sob o sol do meio-dia. A lua atravessa a noite em silêncio, cercada de estrelas loucas em seus próprios destinos.

“Liberdade é essa grande palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.“ — Poetizou Cecília Meireles

Um dia, talvez, um tempo dirá: “Tive razão”. E então, talvez, descanse à beira do caminho, próximo ao jardim. Há um tempo que foi, e outro que virá. E, entre eles, um sonho tenta esquecer a realidade — apenas para continuar sonhando.

Luiz Carlos de Proença – Conselheiro Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Capão Bonito SP – Autor do livro: O sol nas margens da noite

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