No dia 6 de julho, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) completou dez anos. Nesta coluna, sigo refletindo sobre essa importante legislação, reconhecendo avanços, apontando retrocessos e, sobretudo, destacando os desafios ainda persistentes. Desafios que exigem mudança de postura frente aos descalabros cotidianos da nossa realidade.
É sempre necessário — mesmo que pareça repetitivo — retomar o conceito fundamental de pessoa com deficiência estabelecido no artigo 2º da LBI: considera-se pessoa com deficiência aquela que possui impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Essa definição rompe com a visão reducionista da deficiência como mera limitação individual, destacando o papel das barreiras sociais na produção da exclusão.
Os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 10, 27, 34, 53, 63, 76, 79 e 84 podem ser considerados o núcleo central da LBI, por abordarem princípios, garantias estruturais e direitos fundamentais. Esses dispositivos estruturam a lei como um instrumento de garantia da cidadania, reunindo diretrizes de acessibilidade e conduta que abrangem todas as deficiências.
Celebrar os dez anos da LBI é reconhecer uma conquista histórica. Não significa afirmar que a realidade é favorável ou inclusiva. A legislação é uma ferramenta – o caminho, no entanto, precisa ser pavimentado com ações concretas. Cabe a nós, enquanto membros do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, conscientizar a sociedade da importância de uma cidade verdadeiramente inclusiva.
Destaco aqui o artigo 34, que assegura à pessoa com deficiência o direito ao trabalho digno, em ambiente acessível, inclusivo e em igualdade de oportunidades. Complementando, o artigo 35 estabelece que promover e garantir o acesso e a permanência da pessoa com deficiência no mercado de trabalho é finalidade primordial das políticas públicas. O trabalho, além de garantir o sustento, simboliza inclusão e pertencimento. Deficiência não é sinônimo de incapacidade. Pelo contrário: é preciso compreender a deficiência sob a perspectiva da EFICIÊNCIA, da competência, da capacidade produtiva, da autonomia.
Tomo muito cuidado ao escrever sobre temas delicados como este. Não estou aqui romantizando a deficiência, mas afirmando: a pessoa está acima da sua deficiência. O problema não está na deficiência, mas na forma como a sociedade a enxerga. Ainda hoje, as pessoas com deficiência são vistas apenas pela sua condição, e não como sujeitos integrais, cidadãos plenos. É necessário inverter essa lógica. Não se trata de respeitar o “deficiente”, mas a pessoa, sem rótulos ou estigmas, garantindo-lhe o direito de existir em sociedade, sem exclusões.
A palavra-chave da LBI é “autonomia”. A pessoa com deficiência tem direito à liberdade de ir e vir, de decidir seu próprio caminho, de participar socialmente. E esse direito é garantido pela lei. O que falta? Vontade política e compromisso social para aplicá-la.
As barreiras ainda são muitas – físicas, sociais, culturais e econômicas. A exclusão não é obra do acaso, mas da negligência histórica que perpetua a marginalização. O princípio da dignidade humana, pedra angular do Estado Democrático de Direito, precisa sair do papel e se tornar realidade concreta.
Será que os direitos assegurados pela LBI dialogam com a realidade cotidiana das pessoas com deficiência? Em grande parte, não. Persistem barreiras invisíveis e visíveis. Persistem olhares atravessados pelo preconceito. Persistem ausências — de rampas, de intérpretes, de acessibilidade digital, de políticas públicas efetivas.
A efetivação de direitos depende de políticas públicas estruturadas, formuladas e implantadas com participação popular e compromisso governamental. Só assim será possível garantir um ambiente onde a pessoa com deficiência desenvolva suas habilidades sem depender de terceiros, exercendo plenamente sua autonomia e sua cidadania.
Infelizmente, uma parte da sociedade ainda enxerga as pessoas com deficiência como incapazes ou inferiores. Esse imaginário coletivo, alimentado pela desinformação, produz conformismo e perpetua a exclusão. Por isso, são urgentes políticas afirmativas que valorizem a presença, a potência e a importância da pessoa com deficiência na construção de uma cidade mais democrática e inclusiva.
Incluir não é favor. É justiça. A LBI existe. Cabe a nós fazer com que ela funcione.
Luiz Carlos de Proença – Autor do livro: O sol nas margens da noite e A pele do vento