Publicado desde 1969
Fundado por José Carlos Tallarico

As feridas da esperança

O caminho é longo, e logo ali, entre paisagens imaginárias, uma luz se esconde — tênue, quase etérea. A esperança se arrasta, ferida entre espinhos, mas se cura entre flores. É o caminho político da utopia, promessa de dias melhores, mascarado na demagogia dos discursos hipócritas que insistem em dizer que tudo está bem, que os lugares são inclusivos. Como lembra Eduardo Galeano, a utopia serve para que continuemos a caminhar, ainda que jamais a alcancemos.

O que somos nós, afinal, e como podemos melhorar o mundo que habitamos? A fumaça se mistura às nuvens passageiras, enquanto a chuva ácida corrói corações e mentes. Plantamos sentimentos, semeamos esperança como sementes lançadas no deserto — e depois, esperamos o tempo germinar os novos dias. Mas o que se esconde nas noites escuras? As respostas sempre se revelam ao clarear das manhãs. Paulo Freire dizia que a esperança não é uma espera passiva, mas um movimento que nos impele a transformar o mundo.

São estranhos os labirintos de nós mesmos. As pedras margeiam as veredas das impossibilidades, e as dores doem fundo, sangrando feridas no caos cotidiano. As cidades das sombras se erguem como lendas de nossos dias, enquanto livros espalham histórias, semeiam sentimentos, plantam esperanças para colher os sonhos ocultos na escuridão. Zygmunt Bauman nos alerta para a sociedade líquida, onde vidas descartáveis se acumulam às margens, invisíveis, sem voz.

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O paraíso permanece distante, o horizonte se estende entre infinitos que avivam a imaginação. Na beira dos caminhos, páginas ao acaso se misturam ao dissabor das manhãs frias. Ontem, hoje, amanhã — nas manhas das flores que não cessam de florir. A esperança, essa incansável, essa força inexplicável, resiste. Como são belos os momentos que o tempo escondeu entre as esquecidas memórias. Camus nos lembra que a vida é uma eterna resistência diante do absurdo — e ainda assim, devemos imaginar Sísifo feliz.

A vida se refaz — eterna e incessante. Tudo vai se indo, tudo vai acontecendo. Entre as flores, há espinhos, mas não é justo desvalorizar a essência das pétalas por causa dos ferimentos. Não desistiremos de caminhar por conta dos obstáculos. Os rios contornam pedras, seguem suavemente o percurso. Assim deve ser o nosso passo — firme, fluido, sem perder a ternura, como dizia Che Guevara.

A paz se insinua nos sonhos que despertam em cada amanhecer. O ser humano, em sua plenitude, desfruta o bem viver. Ali, logo adiante, onde a beleza exuberante colore os ávidos olhares, o dia se debruça sobre a alma, aconchegando corações em ternura. Um pássaro voa e se perde no infinito. O rio de águas cristalinas inspira e respira o sublime sabor da vida. Gaston Bachelard ensina que os espaços imaginados guardam as marcas mais profundas da alma humana.

Nas mesas, há fartura de pão — e migalhas para a justiça, que mendiga um pouco de sapiência. O mundo dos homens maus silencia entre gritos e gemidos. O que fazer quando a lua não quer mais clarear, o sol perde o brilho e a ferrugem corrói os metais? A viagem é lenta, a mente desacelera, o pensamento vagueia entre jardins abandonados e flores solitárias.

As folhas secas se acumulam às margens do caminho. O rio infinito leva a esperança, sob as águas e ondas, para longevidades possíveis. Abrem-se portas e adentram fluidos de um amanhã distante, sentado à espera do futuro. O sol da manhã repousa entre folhagens, pétalas e raízes. Tudo está ao bel-prazer — comam, bebam, regozijem-se nos momentos que serão passados. Aqui, a esperança habita não como promessa vazia, mas como potência de transformação — como nos ensinou Ernst Bloch.

A poética e a métrica se embebedam em seus próprios versos. A liberdade caminha entre estrofes, mesmo sabendo que pode voar. Quero costurar minha rede com as linhas do horizonte e nela descansar para colher sonhos em outras estações. Há um pouco de cada coisa para inventar o que ainda não existe. É uma história, é uma poesia, é uma aventura desventurada. Para lá do muro, a noite não é escura — a lua enamora o sol. Pingos de chuva, poeira e lama se misturam. O sol quente derrete o asfalto e queima pés descalços. Livros que leem o mundo, palavras que escrevem o amanhã.

Ontem, hoje, amanhã — e depois da chuva, o arco-íris pinta cores no olhar. Sonhos impossíveis sonham outros sonhos. A imaginação imagina o inimaginável. Flores, dores, pudores — e algo que nunca existiu. Dias se sucedem — segunda, terça, quarta… o tempo descansa nas pausas que nos ensinam a esperar. O sol na cabeça, a lua aos pés, as estrelas à espera de um olhar. Um jardim sem flores, uma casa vazia. Um copo cheio e outro meio vazio. Um dia de sol, e de repente, a chuva apaga tudo. Mas logo outra manhã virá — e o ciclo recomeça.

Luiz Carlos de Proença – Autor do livro: O sol nas margens da noite

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