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Fundado por José Carlos Tallarico

A última carta

Se a perda se refere a um ente querido, é necessário conscientizar quem perdeu (mesmo que seja criança) de que, na verdade, não houve perda. A pessoa querida, estando em Deus, pode nos acompanhar melhor, com muito carinho, e nEle podemos encontrá-la. Padre José Someti.

O que poderia ainda dizer às mães e pais que perderam seus filhos… Tenho recebido várias mães que vivem o luto, algumas perderam seus filhos recentemente, outras há muitos anos. Importante ressaltar que o tempo passa diferente para as pessoas enlutadas. Não é o tempo comum marcado pelo relógio, pelo calendário, denominado cronus. Podem ter se passado meses, anos, mas cada pessoa sente e sofre de modo particular. Vivemos o tempo do kairós… Assim, por vezes não somos compreendidos. Não podemos julgar a dor do outro pela duração do tempo que ele vive o luto. E não há como cobrar ou comparar a dor: ela é subjetiva.

Decidi escrever uma última carta após algumas leituras, pelo alento que tenho recebido ao receber palavras de fé e esperança nas Homilias que frequento e diante de diálogos com mães e pais enlutados. Porque creio que podemos nos fortalecer quando colocamos nossas esperanças no Senhor, quando fixamos nosso coração em Seu olhar. Temos o exemplo de Pedro, quando passava pela tormenta no barco em que estava e o medo dominou seu coração. Então viu Jesus caminhando sobre as águas. Naquele momento ele não achou que fosse o Senhor e perguntou:

Senhor, se és tu, manda-me ir a teu encontro, caminhando sobre a água”.

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Então algo extraordinário aconteceu: Jesus convidou o apóstolo a ir até Ele caminhando sobre as águas. Pedro foi ao encontro de Jesus. Conseguiu caminhar sobre o mar. Porém, um tempo depois entrou em desespero e começou a afundar. Quando ocorreu isso? Quando Pedro tirou os olhos do Senhor! Mas veja que depois ele clamou por socorro e o Senhor o salvou. Creio que essa passagem do Evangelho de Matheus nos ensina e define bem um caminho para todos nós: colocarmos nosso olhar, nosso coração, fixo no olhar de Jesus. Acreditar. Ele não nos desampara. Está firme ao nosso lado, mesmo que por vezes não consigamos ver.

E gostaria de compartilhar algumas palavras de uma mãe, Susie, na ocasião da data comemorativa do aniversário de seu filho Marcelo, que morreu tragicamente aos doze anos de idade. Eu havia ligado no sentido de dar algum conforto a ela, pois, posso dizer por mim mesma que a data de aniversário é o dia mais triste do ano, em que nos lembramos mais ainda de nossos filhos, das coisas que fazíamos com eles… Mas ocorreu que ao ligar fui surpreendida por palavras de fé que aqueceram meu coração:

Datas comemorativas, aniversários, festas, são sempre muito difíceis; você fica lembrando o que fazia com seu filho no aniversário dele… mas, precisamos nos lembrar que tudo isso que vivemos é provisório, temporário. Tudo que vivemos tem um propósito para o nosso aprendizado. Peço força a Deus e força para a mãe Maria. Vamos caminhando na fé, porque temos um Deus maravilhoso”.

Confesso que fiquei repetindo para mim mesma as palavras de Susie: tudo isso que vivemos é provisório! E ao conversar com ela citei uma explicação que ouvi em uma homilia do Padre Pablo Henrique:

Tudo o que vivemos, todo sofrimento que estivermos enfrentando será muito pequeno se comparado à eternidade”.

Diante do diálogo que tivemos, compartilhei com algumas mães que vivem a tristeza do luto, apesar de passados muitos anos. Comecei a repetir as palavras de fé que trouxeram sentido, que acalentaram meu coração. Podemos não compreender o sentido de tanto sofrimento, mortes, tristezas, mas, diante da eternidade, tudo que temos passado realmente se tornará algo muito breve, como um sopro. Sem falar em tudo o quanto viveremos quando terminarmos aqui a nossa jornada. E sobre eternidade, Paulo Gianolla, pai de Marcelo, define muito bem o que ela representa:

Eternidade não é o tempo sem fim, em que ficaremos sem fazer nada para todo o sempre. Eternidade é o tempo não tempo! A primeira coisa que muda quando morremos é que acaba o “tempo” e começamos a fazer parte dessa Eternidade: que era, que é e que há de vir. Deus lá do céu vê toda a história, em todo o tempo. Nós vemos somente a sequência linear: começo, meio e fim. Como missionários do Reino devemos ser a Luz e o Evangelho que os outros não veem e não leem. Que Ele seja visto em nós, em nossas atitudes; que sejamos a pequena amostra dEle nas pessoas”.

Podemos achar que nosso sofrimento é grande demais, que está acima de nossas forças, que não suportaremos. Infelizmente conheço pessoas que desistiram de suas vidas após a morte dos filhos. Ficaram encarceradas, presas na dor. Não há como julgá-las. Precisam ser acolhidas. Reconheço que tens dias em que tudo fica mais triste, mais difícil de suportar a ausência de Marcos, apesar de passados vários anos. Mas, principalmente nestes momentos, costumo me lembrar que um dia tudo isso findará e que ele está vivo, guardado com o Senhor. Nossos filhos e filhas, assim como tantas pessoas que amamos, aguardam por nós. E creia: recebem nossos atos de amor, as ofertas e orações. Estão vivos, porque:

Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó (Ex 3,6). Ora, ele não é Deus dos mortos, mas Deus dos vivos”.

E Cristo nos deixou a promessa que estará sempre conosco, até o final dos tempos. Veja que Deus não separa aqueles que se amam, porque não é somente bom: Ele é A Bondade! Tenho para mim que as mães e pais enlutados são verdadeiros soldados; cada um enfrenta sua batalha particular, mas, apesar da dor, caminham corajosamente. Porque sabemos que não estamos sozinhos.

Como tenho escrito nas cartas anteriores: vamos viver um dia por vez. Só por hoje não vamos chorar; só por hoje não vamos nos entristecer; só por hoje vamos dar o nosso melhor. Colocar em cada pequeno ato do nosso dia muita dedicação e amor (Pequena via de Santa Terezinha). Seja na preparação de um bolo, na arrumação e limpeza da casa; em nosso trabalho, ao lidarmos com problemas, com pessoas difíceis (ou duras de coração); no auxílio a doentes; no cuidado com as crianças; nas tarefas de doação em trabalhos sociais; na atuação na igreja, a qual você talvez passa parte. Enfim, colocarmos o amor nas pequenas ações. Trabalhar em prol do bem com determinação e constância. Viver o momento presente. Porque amanhã talvez não estejamos mais aqui.

Peçamos então ao Senhor para que nos dê a força do Espírito Santo, a força que moveu tantos santos e mártires, a que os apóstolos receberam para seguir a Jesus, para enfrentar a própria morte. Vamos pedir pela fortaleza, para não desanimarmos, não desistirmos da vida. Se estamos aqui é porque ainda temos um propósito a realizar. Vamos marchar, como Moisés no deserto. Sempre que me refiro ao ato de “marchar” perante os acontecimentos, sofrimentos, me recordo de minha avó, de minha mãe. Elas me ensinaram a não lamuriar, não se vitimizar perante os sofrimentos, mas antes, enfrentar a vida com fé e esperança, sem jamais desanimar, sem se deixar abater, dando sempre o melhor de si. Porque sabiam que suas vidas tinham um sentido maior.

Que o Senhor seja nosso amparo, que possamos cumprir tudo o quanto Ele planejou para nós. E no final de tudo, quando olharmos para o que foi a nossa vida, veremos que demos o nosso melhor, que não desanimamos – não desistimos.

Porque sabemos para onde vamos!

Professora Drª Maria do Carmo Lincoln R. Paes. Pianista, Graduada em História; Pós-graduação em Filosofia; Mestre em Educação e Doutora em Educação. Email: carmolincoln@gmail.com

 

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