Publicado desde 1969
Fundado por José Carlos Tallarico

A última carta

O que poderia ainda dizer às mães e pais que perderam seus filhos… Tenho recebido várias mães que vivem o luto, algumas perderam seus filhos recentemente, outras há muitos anos. Importante ressaltar que o tempo passa diferente para as pessoas enlutadas. Não é o tempo comum, registrado pelo calendário. Podem ter passado meses, anos, décadas, mas cada pessoa sente e sofre de modo particular. Não há como cobrar ou comparar a dor: ela é subjetiva.

Decidi escrever uma última carta após conversar com Susi, sobre o que ela me falou, na data comemorativa do aniversário de seu filho Marcelo, que morreu tragicamente aos doze anos de idade. Eu havia ligado no sentido de dar algum conforto, pois, posso dizer por mim mesma que a data de aniversário é o dia mais triste do ano, em que nos lembramos mais ainda de nossos filhos, das coisas que fazíamos com eles… Mas ocorreu que, ao ligar para ela, fui surpreendida por palavras de fé que aqueceram meu coração:

“Datas comemorativas, aniversários, festas, são sempre muito difíceis; você fica lembrando o que fazia com seu filho no aniversário dele… mas, precisamos nos lembrar que tudo isso que vivemos é provisório, temporário. Tudo que vivemos tem um propósito para o nosso aprendizado. Peço força a Deus e força para a mãe Maria. Vamos caminhando na fé, porque temos um Deus maravilhoso”.

Imagem

Confesso que fiquei repetindo para mim mesma as palavras de Susi: tudo isso que vivemos é provisório! E ao conversar com ela citei uma explicação que ouvi em uma homilia do Padre Pablo Henrique: “Tudo o que vivemos, todo sofrimento que estivermos enfrentando será muito pequeno se comparado à eternidade”.

Diante do diálogo que tivemos, passei a ligar no mesmo instante para algumas mães que vivem a tristeza do luto, apesar de passados muitos anos. Comecei a repetir as palavras de fé que trouxeram sentido, alento à minha dor. Podemos não compreender o sentido de tanto sofrimento, mortes, tristezas, mas, diante da eternidade, realmente se tornará algo muito breve, como um sopro. Sem falar em tudo o quanto viveremos quando terminarmos aqui a nossa jornada.

Podemos achar que nosso sofrimento é grande demais, que está acima de nossas forças, que não suportaremos. Infelizmente conheço pessoas que desistiram de suas vidas após a morte dos filhos. Ficaram encarceradas, presas na dor. Não há como julgá-las.

Precisam ser acolhidas. Reconheço que tem dias em que tudo fica mais triste, mais difícil de suportar a ausência de meu filho Marcos, apesar de passados vários anos. Mas, principalmente nestes momentos, costumo me lembrar que um dia tudo isso findará e que ele está vivo, guardado com o Senhor. Nossos filhos e filhas, assim como tantas pessoas que amamos, aguardam por nós. Eles recebem nossos atos de amor, as ofertas e orações.

Eles estão vivos, porque: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó (Ex 3,6). Ora, ele não é Deus dos mortos, mas Deus dos vivos”.

E Cristo nos deixou a promessa que estará sempre conosco, até o final dos tempos.

Veja que Deus não separa aqueles que se amam, porque Ele não é somente bom: Ele é A Bondade!

Tenho para mim que as mães e pais enlutados são verdadeiros soldados; cada um enfrenta sua batalha particular, mas, apesar da dor, caminham corajosamente. Porque sabemos que não estamos sozinhos.

Como tenho escrito nas cartas anteriores: vamos viver um dia por vez. Só por hoje não vamos chorar; só por hoje não vamos nos entristecer, só por hoje vamos dar o nosso melhor. Colocar em cada pequeno ato do nosso dia a dia muita dedicação e amor (Pequena via de Santa Terezinha). Seja na preparação de um bolo, na arrumação e limpeza da casa; em nosso trabalho, ao lidarmos com problemas, com pessoas difíceis (ou duras de coração); no auxílio a doentes, no cuidado com as crianças; nas tarefas de doação em trabalhos sociais, na atuação na igreja, a qual você talvez passa parte. Enfim, colocarmos o amor nas pequenas ações. Trabalhar em prol do bem com determinação e constância.

Viver o momento presente. Porque amanhã talvez não estejamos mais aqui.

Peçamos então ao Senhor para que nos dê a força do Espírito Santo, a força que moveu tantos santos e mártires, a que os apóstolos receberam para seguir a Jesus, para enfrentar a própria morte. Vamos pedir pela fortaleza, para não desanimarmos, não desistirmos da vida. Se estamos aqui é porque ainda temos um propósito a realizar. E no final de tudo, quando olharmos para o que foi nossa vida, veremos que fomos salvos pelo Amor.

Que possamos ter a certeza de Jó: “No final, eu sei que verei o meu Senhor”.

Professora Drª Maria do Carmo Lincoln R. Paes. Pianista, Graduada em História; Pós-graduação em Filosofia; Mestre em Educação e Doutora em Educação. Email: carmolincoln@gmail.com

Facebook
Twitter
WhatsApp

PUBLICIDADE