Publicado desde 1969
Fundado por José Carlos Tallarico

A leveza nas asas do tempo

Escrito em linhas emaranhadas, o tempo não desiste de morrer. As mãos, as faces e as lágrimas se entrelaçam em profundos sentimentos. O amor, o ódio e o vento ao luar revelam a simplicidade que vê o todo. Há o sabor das coisas que não existem e a leveza nas asas do tempo.

O coração, em ternura, sente a essência das flores em agonia. O argumento é fraco para sustentar tanto conteúdo. A caneta, o papel e o lápis desenham o contorno da dor. Abraços vazios, e o rio — sozinho — perdido em suas próprias águas. Ainda que tudo seja sonho, estou ausente: além das margens de um sorriso gasto, antes de um céu, depois de um dia. Agora, só a saudade me nomeia. E o sonho, esse velho abrigo, me cobre em silêncio.

Nas margens da imensidão, o capim molhado. O suco de tudo e o sabor de terra úmida. O oásis e o deserto entre a tempestade. Em meio ao perigo, o silêncio dos animais. Hortelã, avelã, o chá da meia-noite. A dor dos vegetais, o som da cigarra. A folha molhada, a podridão que nutre a terra. Ainda o sonho das árvores e das flores, dos rios que inundam estrelas a velejar nas águas do infinito.

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O valor de tudo e o preço do nada. A corrida do ouro e o futuro da riqueza. A ilusão semeada em noite de luar. As cores da imaginação e o passado de uma lágrima. Partirei sob o sonho, como quem parte entre flores. Um jardim de abraços antigos abre seus portões.

Ainda habito aqui — entre versos que me observam, entre o infinito e o que já foi esquecido. Mesmo que seja tarde, mesmo que tudo seja sonho, sigo. Quero um caminho que se desfaça nos pés, um labirinto sem mapa, onde a dor do mundo, por instantes, desaprenda o seu nome.

A flor de lácio e o jogo da memória. O futuro do sonho e as noites em claro. O ritmo acelerado, o cavalo encilhado. Caminho sem rumo e um barco à deriva no mar. Vou de flor em flor, me desfio sob pétalas. E quando adormeço, é o sonho que me vela — à espera de uma chuva que talvez nunca venha, mas que, no fundo, sempre rega a minha ausência.

Ser nada era um verso de uma poesia que queria o universo. Em meio a tudo, tudo era uma imensa contradição: um rio que passeava nas labaredas do fogo ardente. Um sentimento entre a razão, alimentando-se de coração e mente.

Uns dias, outras noites — sol e estrelas. As margens imaginadas de um longo caminho que não levava a lugar algum. O ar áspero e denso envolvia toda aquela manhã cheia de saudade. O sorriso fluía em encantamento; tudo era sublime. Cada olhar caminhava movido pelo sentimento que nutria as flores sob bênção e louvação.

Tão poucas são as tardes antes que a noite as envolva em transparências. O dia, inteiro, embriagado de sentimento. Enquanto o sol espera a chuva para beber da sua água a essência poética do viver.

Viver entre os estranhos momentos, escondendo-se nas intimidades dos instantes. A paz é inteiramente passageira, e o beija-flor beija a flor — a flor da pele. Luzes de néon e paredes invisíveis encobrem a beleza e a sutileza que parecem duradouras. O cosmos e a beleza do caos em distantes momentos, no entardecer de um dia que ainda não amanheceu.

Revelam-se os segredos das flores e das pétalas, dos homens e dos animais. Um lugar escuro para ler o mundo nas páginas de um livro e, nele, iluminar outro lugar. As extremidades do mesmo lado, a circunferência da Terra e o voo dos pássaros.

O canto triste e a melodia dos sentimentos sublimam a cura e o alívio que faz chorar as lágrimas. O acúmulo e a degradação do humano em nome da superficialidade. O zelo da mãe e a natureza que amamenta as sementes da terra. A chegada da esperança esquecida no quintal da benevolência.

O outro lado da flor machuca os espinhos. E seus ferimentos transcendem os sentimentos; as dores procuram refúgio no alívio inquietante que acalma o sorriso e apascenta os olhares. Esse mesmo olhar que, de repente, se esvai entre as ilusões que alimentam a fraqueza dos dias turvos.

Extasiado, o tempo se desfaz entre os dedos. O azul é o olhar. O céu transcende a terra numa aliança perfeita. O coração — o sangue da terra — semeia mensagens para os novos tempos.

Desliza uma pétala que mergulha em lágrimas, nos profundos olhares que vislumbram a vida na plenitude dos eternos sentimentos. Dos corações que ainda semeiam bondade. Das mãos que colhem frutos e partilham dignidade.

Amanhecem novos dias de poesia que refazem o tempo. Ainda há, na dor, um fio de alívio e benevolência — e um sentimento entre o tudo e o todo, entrelaçando alma e espírito num sonho cósmico.

Luiz Carlos de Proença – Autor dos livros: O sol nas margens da noite e A pele do vento

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