Uma história que aparentemente não tem personagem algum, ou talvez apenas personagens desconhecidos. Mas como é possível uma história sem personagens? Não sei — desculpe minha falta de imaginação.
Mas, afinal, como nasce a imaginação? Será que, quando ela surge, a realidade se esconde? Ou seriam ambas, como diria Fernando Pessoa, “máscaras de um mesmo enigma”? Talvez sejam apenas rostos tentando ser outros — como na caverna de Platão, sombras que se confundem com formas reais.
Isso soa bastante real. É comum vermos pessoas interpretando inúmeros papéis para se esquivarem da própria essência, como na dramaturgia de Pirandello — “Seis personagens à procura de um autor”. Tudo se torna conveniente para quem não faz o menor esforço para ser, por vezes, inconveniente.
Alguém com aversão a políticos pode, sem hesitar, imaginar o cenário das nossas câmaras legislativas Brasil afora. Não falo apenas de política — mas convenhamos, ali é o palco de muitas máscaras. Como em Shakespeare, o mundo é um teatro, e muitos ali se julgam protagonistas, representando papéis que talvez não lhes pertençam.
A face no escuro, os olhos vendados e a imaginação à solta. Imaginar o imaginável sem fugir da realidade, mesmo que as faces estejam disfarçadas. Qual seria o cenário perfeito? Imaginar não é escapar do real, como alertava Clarice Lispector, mas ampliá-lo, reinventá-lo, atravessá-lo. Não se foge de si. Imaginar é tomar nas mãos tudo o que é possível, e sonhar o impossível como propunha Galeano, “não para alcançá-lo, mas para não deixar de caminhar”.
Imaginar uma história, triste ou não. Inventar cenários, criar personagens. E a política? Bem, a política é uma história contada no escuro, inapropriada para menores. Os fantasmas e monstros habitam às noites sem luar, como no universo sombrio de Kafka. E de dia, onde se escondem? Talvez nos trajes da normalidade, como suspeitava Hannah Arendt ao falar da banalidade do mal.
Eu não sei. Só sei que meu quintal é um canteiro onde tudo nasce, cresce, floresce… e depois anoitece.
A imaginação conhece a poesia? O sentimento e a imaginação conhecem profundamente a poesia — como sabiam Rilke e Drummond. Bebem da mesma fonte. Alimentam-se do infinito e convivem com o horizonte em sublime harmonia. Conversam entre si, nutrem-se mutuamente e caminham pela manhã entre o orvalho e o sol, como quem ouve um “bom dia” de Deus — ou da natureza, como queria Whitman.
O cansaço dos dias repousa nas noites enluaradas, entre sonhos, poetas e poesias.
Versando a realidade, a poesia também fala de tristeza. Como Neruda, que via lágrimas em forma de versos. Mesmo em olhares apáticos, ainda há sede por justiça e pão. A terra ainda germina poesia, mesmo entre as dores e brutalidades dos corações endurecidos.
Agora, aqui entre páginas em branco que dançam diante dos olhos, procuro um fim para este texto. Entre incógnitas, dúvidas e fronteiras — como em Borges, entre o espelho e o labirinto. É tarde, mas ainda há tempo de semear meu pequeno jardim para colher os versos do amanhã.
O personagem dessa história continua sendo o “não sei”. E assim permanece, entre o limite tênue entre o ter e o ser. Em algum momento, balbucia palavras em meio ao silêncio que compõe e completa a vastidão que nos consome. As histórias contadas em sonhos ainda criam seus personagens no palco vivo da vida — e em cada amanhecer, a vida escreve a sua própria poesia.
Luiz Carlos de Proença – Conselheiro Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Capão Bonito SP – Autor do livro: O sol nas margens da noite