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Fundado por José Carlos Tallarico

A geopolítica do abismo

A grande comédia humana poderia, de fato, ser uma comédia – não fosse a mais dura e deprimente realidade. Como diria Karl Marx, a história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. O mundo é um tabuleiro, e a geopolítica move suas peças conforme os mesquinhos interesses de quem joga.

A humanidade, cada vez mais desumanizada, tem sede de poder, e essa sede não se sacia. O fiel da balança? A política do caos. A guerra comercial e o navio negreiro ainda cruzam nossos dias, atravessando o século XXI como fantasmas que nunca partiram. Wallerstein já apontava, em sua teoria do sistema-mundo, que o capitalismo global mantém a periferia e o centro em uma relação desigual, onde a exploração e a dominação seguem sendo as regras do jogo.

As moscas sobrevoam quintais abandonados, pairando sobre a melancolia e o azedume de tudo. As grandes potências, com seus ideais colonizadores, querem fazer do mundo o seu quintal. Fanon denunciou o neocolonialismo como a nova forma de dominação, um colonialismo disfarçado de desenvolvimento. As guerras dos homens maus, o poder pelo poder, a política travestida de progresso: uma humanidade que caminha entre o abismo e o precipício.

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A nova ordem mundial mantém tudo exatamente onde sempre esteve – o privilégio de poucos sustentado pelo sofrimento de muitos. Como sugeriu Zygmunt Bauman, vivemos tempos de modernidade líquida, onde as estruturas se dissolvem, mas as desigualdades persistem.

A sociedade escolhe sua casta, e o resto… o resto fica aos cuidados da sorte. Nas mesas fartas, o pão; à justiça, as migalhas. A verdade mendiga por um pouco de espaço, mas ninguém a escuta. Como apontou Hannah Arendt, a banalização da injustiça se torna um mecanismo de manutenção do status quo.

A viagem é lenta. A mente desacelera, o pensamento flutua por jardins esquecidos, entre flores solitárias. O tempo sopra asas ao vento, e verdades infinitas tentam sobreviver à arrogância e à soberba que acampam ao ar livre.

Direita e esquerda, progressistas e conservadores, oposição e situação, alienados ideológicos e a politicagem de plantão. Gramsci alertava sobre a disputa pela hegemonia cultural e política, onde o senso comum é moldado para servir aos interesses dominantes.

Contradições e contemporaneidade de uma vida cada vez mais fugaz. De um lado, o mundo da lucratividade excessiva; do outro, o mundo condenado à miséria. Pobrezas de bens de consumo e, pior, pobreza de alma – reflexo de um individualismo feroz, onde não há vencedores. Apenas derrotados. Somos reféns de nossa própria miséria. Dois extremos, dois mundos, e a civilização humana cada vez mais próxima da barbárie. Freud, em “O Mal-Estar na Civilização”, já advertia sobre a luta entre os instintos humanos e as regras impostas pela sociedade, uma tensão que se reflete no mundo contemporâneo.

Política, ideologia e a supremacia de um poder dominante. A superpotência mundial e a periferia do mundo separadas por um abismo intransponível. O mundo está numa encruzilhada, atônito diante do próprio colapso. O capitalismo produtivo resiste, enquanto milhões são engolidos pela miséria. Mas de quem é a culpa? Não convém dizer que é deste ou daquele regime político. A culpa é da ganância e da soberba humana, como diria Adam Smith em “A riqueza das nações”: o mercado pode ser eficiente, mas não moral.

Desenrolar esse novelo e entender como a aranha tece sua teia. Sim, escrever sobre política pode ser fácil. Mas o que é política? Pouco interessa sua definição para uma sociedade apegada aos discursos rasos e superficial que petrifica os sentidos com base no senso comum. Quanto maior o desinteresse da população pela política, maior o interesse dos políticos pelo poder.

A vida. O respiro da vida. A saga humana em busca de si mesma. Mas, nessa busca, nos perdemos. Não percebemos que a porta continua entreaberta e que os caminhos sempre estiveram à nossa disposição. A pergunta é: quem ousará dar o primeiro passo?

Luiz Carlos de Proença –  Conselheiro Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Capão Bonito SP
Autor do livro: O sol nas margens da noite

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