Sempre tive curiosidade em entender o significado das virtudes. Desde criança adorava ler contos, histórias em que elas apareciam de diferentes formas, nas ações de heróis e heroínas que mostravam o valor do empenho no bem e sempre me surpreendiam pelam coragem com que enfrentavam os grandes desafios, tormentas. Mas o que são as virtudes? São hábitos bons, adquiridos na prática do dia a dia, não resultam do acaso, mas sim do empenho individual, da busca constante em agir no bem. Deriva do termo grego aretê, se refere ao conceito de excelência. Consegue imaginar o que representa a excelência em nosso agir …
Contudo, para realizar um ato bom, deve haver a decisão em agir. Querer controlar os desejos, o temperamento: o egoísmo. Algumas virtudes servem para auxiliar em nossas condutas, como a prudência, que é uma virtude moral e intelectual ao mesmo tempo. Ela é indispensável para que o ser humano aja corretamente, com boas decisões morais, tendo conhecimento das situações, da realidade, com uma análise lógica da mesma, sem precipitações ou impulsividades.
Mas não havia refletido com profundidade sobre o que representa a coragem e desconhecia o fato de ser considerada como uma das maiores virtudes, até entrar em contato com as obras de São Tomás de Aquino. Tenho profunda admiração por tudo quanto se refere a ele, desde sua trajetória de vida, como da grandiosidade de suas obras. Fiquei muito impactada quando conheci um pouco de sua história. Precisou de coragem para poder cumprir com o propósito de sua vida.
São Tomás era um moço quieto, tímido, introspectivo; vivia debruçado nos livros, dedicava seus dias a estudar e a tentar compreender mais sobre as coisas de Deus. Devido a essas características seus colegas o apelidaram de Boi mudo. Confesso que isso me causou indignação, pela forma jocosa com que o trataram, penso que justamente por ele não se encaixar nos padrões do senso comum, por se destacar por sua singularidade e inteligência. Desconheciam que estavam diante de uma alma sensível, determinada, de um homem que buscava pela santidade e que caminhava com o Senhor. Nasceu na Itália, em uma família rica e era o mais novo entre os nove filhos. Relata-se que aos cinco anos de idade foi enviado a um monastério para estudar com os monges beneditinos (que dó, tão pequeno) e permaneceu até aos treze anos de idade, pois seus pais queriam que ele se tornasse culto, rico, que tivesse prestígio. Sua família não imaginava que ele seguiria a vocação religiosa e não queria que se tornasse um dominicano devido ao fato de que pediam esmolas e viajavam para evangelizar.
Ele usou os pensamentos de Aristóteles para explicar os fundamentos da fé cristã, argumentando que a lógica e a fé se complementam, que podem trabalhar juntas (precisamos disso). Acreditava que a “Revelação” poderia guiar a razão e ajudar na prevenção de erros; a razão poderia esclarecer e desmistificar a fé, para que não fosse cega (importante isso!).
Na Suma Teológica ele explica como a reconciliação do ser humano com Deus se torna possível por meio de Cristo. Ele descreve Deus, Sua existência; examina a natureza e o ser humano, com questões que se referem ao nosso propósito na Terra; os tipos de leis, vícios, a importância das virtudes, como a prudência, a justiça, a coragem e a temperança, dentre outras. Ele faz a distinção entre virtudes morais, intelectuais e teologais.
O que me chamou muito a atenção foi no que se refere às virtudes teologais, pois não sabia que havia uma distinção entre elas. Na virtude teologal o próprio Deus vem em nosso auxílio! Elas têm a função de orientar em questões que ultrapassam o entendimento humano – ultrapassam a razão, pois pertencem à esfera espiritual.
Vou me deter na virtude da coragem, em que São Tomás descreve também como fortaleza, e que possui uma dimensão dupla: o lado sobrenatural, vinda de Deus, como um dom, como vemos nos mártires e também seu aspecto natural, como uma virtude que podemos almejar. Coragem é quando não desistimos diante do medo, dos perigos, quando não deixamos o medo nos dominar, paralisar, pois temos um propósito maior, que visa as ações no bem. Ou seja, na fortaleza existe uma coragem aplicada de nossa parte, para que enfrentemos dores, sofrimentos, provações, sem desistir, mas, há o suporte da Graça, dando-nos a força necessária para agirmos, para enfrentarmos com fé e esperança, sem desanimar, sem desistir.
A coragem pode nos ajudar a refletir sobre o comportamento humano, a forma como agimos e atuamos em nosso dia a dia, diante das provações, tribulações, para direcionarmos o nosso agir. Sem a coragem, fica difícil agir dentro da justiça, com ações que promovam o bem comum, pois, ficamos presos na intenção – os atos não se concretizam. Ou seja, não realizamos o que poderia (ou deveria) ser feito. Por outro lado, veja que a coragem sem medida, sem justiça, deixa de ser corajosa e é meramente ousadia ou mesmo burrice (reconheço que por vezes agi na burrice, ai, ai). Veja se identifica pessoas que se acham corajosas, mas que na verdade vivem um processo constante de litígio com o outro. Reclamam e contestam o tempo todo, seja em filas de espera, em ambientes do trabalho, em família: estão sempre em discussão, em contentas. (Meu marido chama isso de bravata!). Veja que em algumas situações precisamos realmente de coragem para agir e em outras sabedoria para aceitar o que não podemos mudar. Por vezes, a coragem de silenciar – o silêncio ensina muito!
A coragem resulta também de uma lógica, do uso da razão. E muitas vezes precisamos de muita coragem para fazer prevalecer o bem, para não paralisarmos pelo medo, para não nos adaptarmos aos padrões estabelecidos, não nos acomodarmos diante das injustiças, sofrimentos. Ter coragem significa enfrentar com perseverança, voluntariamente, em função de um bem maior – decisão que implica uma grandeza de alma, daquele que age na magnanimidade – no altruísmo.
Coragem é o que tiveram os heróis bíblicos, os profetas, tantos santos e mártires, em que abdicaram de suas próprias vidas por uma causa, pois tinham um propósito maior. Coragem é o que teve minha mãe ao se ver sozinha para cuidar dos seis filhos e em uma cidade estranha. Ela agia como uma fênix. Nunca a vi se lamuriar ou falar mal da situação ou das pessoas. E no final de sua vida, quando enfrentou a doença do câncer que fatalmente a levou, caminhou na fé, em oração.
Coragem é o que teve meu marido Roberto quando a doença atingiu nosso amado filho Marcos, ao ver a morte arrancá-lo de nossas vidas, prematura e inesperadamente, sem tempo para despedidas. Ele, que sempre cuidou de tudo e todos, se viu imobilizado. Mas mesmo diante da dor esmagadora não desistiu, continuou em pé. E continua a fazer o bem, a cada dia, com generosidade e dedicação aos outros.
Coragem é a palavra que define meu filho que, ao compreender que estava diante da morte, agiu como um verdadeiro Samurai. Enfrentou tudo em silêncio, sem queixas ou revoltas. Continuou sua caminhada exalando paz, no pouco tempo que lhe restava, sem jamais perder a mansidão e a bondade.
Creio que em muitos momentos necessitamos da virtude da coragem. Coragem para prosseguir, mesmo quando perdemos a quem muito amamos; quando o caos se instala a nossa volta; quando tudo parece ruir; quando convivemos com pessoas difíceis (ou duras de coração) ou quando nos sentimos solitários em nossas lutas pessoais, sem conseguir vislumbrar a fé e a esperança…
A virtude da coragem é maior do que imaginamos. Resulta da decisão em agir no bem, de caminhar com determinação, constância, rumo a um destino que transcende o entendimento humano, pois, tem como suporte o inenarrável auxílio da Graça.
Professora Drª Maria do Carmo Lincoln R. Paes. Pianista, Graduada em História; Pós-graduação em Filosofia; Mestre em Educação e Doutora em Educação. Email: carmolincoln@gmail.com