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Fundado por José Carlos Tallarico

O Modelo Sueco e a Política como Serviço Cívico

A discussão sobre a profissionalização do cargo de vereador em Capão Bonito levanta uma questão essencial: qual é a verdadeira função de um representante local? Essa reflexão me fez pensar no modelo sueco, um país onde a política é vista como um serviço cívico, não uma profissão de tempo integral.

Meu irmão, que vive na Suécia há mais de 5 anos, sempre me conta sobre o tema e como a dinâmica por lá é radicalmente diferente do que vemos no Brasil. Em vez de ser uma carreira, a função de vereador é um compromisso de tempo parcial, permitindo que os eleitos mantenham suas profissões e atuações na comunidade.

Essa abordagem se reflete diretamente na remuneração. O valor não é um salário fixo, mas uma compensação proporcional ao tempo dedicado à função e, em muitos casos, vinculada ao salário da carreira principal do político. Ou seja, a compensação financeira é um reembolso por um serviço, e não o objetivo do serviço em si. Esse sistema tem um efeito claro: ele atrai pessoas que realmente querem servir a comunidade, e não apenas buscam um emprego.

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Outro ponto que meu irmão destacou é a simplicidade da estrutura. Não existem os grandes edifícios legislativos, as dezenas de funcionários ou os carros oficiais. As reuniões ocorrem em prédios públicos já existentes, tudo para otimizar os gastos e focar no que realmente importa: a gestão pública.

Nesse sentido, a função de vereador na Suécia se assemelha muito à atuação de quem participa voluntariamente dos conselhos municipais no Brasil, como os da Pessoa com Deficiência (PcD), saúde e cidade. Nesses fóruns, o trabalho é voluntário, e o que move as pessoas é a vontade de servir e contribuir com a comunidade. Por exemplo, nos últimos 10 anos, tenho atuado em dois a três desses conselhos, o que me faz ver de perto essa realidade.

No Brasil, porém, a realidade da vereança é oposta. Em cidades como Capão Bonito (SP), o salário de vereador é de R$ 5.200,00. Em 2015, houve uma tentativa de aumento que, se não fosse revogada, faria com que o salário atual chegasse a quase R$ 10 mil. A revogação, aliás, foi resultado de um movimento que eu iniciei, e a repercussão fez com que os vereadores voltassem atrás e anulassem o aumento. Além disso, não é raro candidatos gastarem mais de R$ 100 mil em campanhas, o que transforma a política em investimento de alto risco com retorno garantido em mandato.

Essa lógica afasta cidadãos dispostos a servir, mas sem grandes recursos. Enquanto uns investem pesado em marketing eleitoral, outros recorrem ao assistencialismo, reforçando a cultura de dependência e favores. Essa lógica se manifesta nos discursos prontos que vemos em toda eleição: os apelos vazios e a promessa de um emprego aqui ou um benefício ali, em troca do voto. Tais promessas reforçam a cultura do apadrinhamento político, criando um círculo vicioso onde a política não é vista como um dever cívico, mas sim como uma moeda de troca pessoal. A incoerência é clara: muitos que prometem soluções milagrosas para a saúde ou geração de empregos não se interessam em participar de conselhos municipais, justamente porque não há remuneração.

O contraste com o modelo sueco mostra que, no Brasil, a política é encarada como carreira e não como serviço. Isso alimenta privilégios, personalismo e a visão de que o cargo é um fim em si mesmo.

Resta a reflexão: se aqui os vereadores mantivessem suas profissões e exercessem o mandato em tempo parcial, quantos dos atuais parlamentares ainda disputariam o cargo?

Talvez na minha ignorância seja utopia cogitar um sistema idêntico ao sueco. Ainda assim, acredito que podemos dar passos nessa direção. A pressão popular por transparência, a valorização de quem atua em conselhos municipais e o questionamento de privilégios podem aproximar a política de sua função essencial. Que a política seja, de fato, a arte de servir o cidadão, e não a oportunidade de se servir da população. (Por @LucianoBaixinho)

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