A humanidade atravessa tempos hostis. O ser humano, envolvido em si mesmo, busca respostas para suas inquietações. E, nessa incessante jornada, dispõe de diferentes ferramentas que podem facilitar ou dificultar esse processo. Mas o que realmente buscamos? E, se buscamos algo, qual é a sua finalidade? Será saciar a fome dos famintos, apaziguar conflitos, serenar esperanças e, assim, alimentar e sedimentar a paz?
A economia mundial e o panorama político operam dentro de um sistema padronizado que insiste em nos moldar. O filósofo Michel Foucault nos alerta sobre as “disciplinas” e os “biopoderes” que regulam nossas vidas e moldam nossos comportamentos, muitas vezes de forma imperceptível, para atender aos interesses de uma estrutura de poder. Nesse cenário, o que dizer daqueles que afirmam buscar a paz, enquanto semeiam miséria e fomentam guerras? Em uma mão, levam flores; na outra, entregam espinhos.
Os discursos, em sua maioria, estão recheados de mentiras e demagogia. Como é possível associar palavras de ódio a promessas de construir a paz? Enquanto uns plantam flores, outros semeiam ervas daninhas. Como contrapor os grandes conglomerados econômicos que manipulam nossos desejos e compram nossos interesses? Karl Marx, em sua crítica ao capitalismo, destaca que o sistema transforma os seres humanos em mercadorias, alienando-os de sua essência e promovendo desigualdades cada vez mais profundas. Enquanto isso, os bolsões de miséria crescem nas periferias do mundo ou nas periferias do capitalismo.
Será que a culpa é do sistema capitalista, que joga uns contra os outros? Quem somos nós dentro dessa engrenagem que sustenta a sociedade? Seríamos apenas massa de manobra de um sistema corrompido? A pobreza e a miséria expõem o lado mais obscuro de uma humanidade que se autoproclama desenvolvida. Nesse contexto, essas condições estão mais relacionadas à alma e ao senso de humanidade do que a qualquer outra conotação. A filósofa Hannah Arendt nos lembra que a banalidade do mal se manifesta quando as sociedades normalizam as injustiças, tornando-as parte do cotidiano.
Acredito que ninguém, em sã consciência, seja a favor da pobreza e da miséria, romantizando essas condições ou usando-as para promoção pessoal. Quanto à riqueza, também não creio que alguém seja, por princípio, contra. Mas a questão é: qual é o preço dessas riquezas? Quem sustenta as regalias e os privilégios? É mesmo o sistema que define isso? Será que a humanidade foi arquitetada para operar nesses padrões? Não há o que fazer? Não há como mudar? Por que não? Alguém lucra com tudo isso?
Ainda há esperança nos olhares que conseguem enxergar que a construção de um novo mundo pode ser algo sutil, imperceptível, mas que se edifica no decorrer dessa busca. Como Paulo Freire nos ensina, a transformação começa com a conscientização: é preciso educar para libertar. O novo nasce a partir do primeiro passo, e os erros podem ser corrigidos ao longo do caminho.
A política pode ser a ferramenta dos novos tempos, um instrumento que impulsione a humanidade para novas possibilidades. Uma política voltada para si mesma, mas não no sentido egoísta: voltada para o reconhecimento do humano em sua essência. Ela pode ser o meio para proporcionar verdadeira partilha, em um mundo hoje dominado por políticas que favorecem as grandes corporações. Precisamos de uma sociedade com menos corporativismo e mais cooperação. Como propõe o economista e filósofo indiano Amartya Sen, o desenvolvimento humano deve ser medido pela expansão das capacidades das pessoas, não apenas pelo crescimento econômico.
Que a política não seja um instrumento para garantir privilégios àqueles que detêm o poder, mas que sirva como promotora do bem comum e da justiça social.
Luiz Carlos de Proença – Autor do livro: O sol nas margens da noite